Pega a bola e, na marca do pênalti desbotada do campinho, faz sua parada dramática. Olhos vidrados no gol, toma distância, corre, chuta e de braços abertos sai por entre os amigos num gesto parecido com o do seu ídolo. Nessa fração de segundos, o mundo vira uma grande pelada com torcidas imaginárias gritando pelo nome do craque mirim. Melhor ainda se, entre a multidão, estiver o ídolo com um sorriso de aprovação.

Às vésperas do Dia das Crianças, pequenos e grandinhos poderiam muito bem trocar qualquer presente por uma oportunidade de ser como seus ídolos no futebol. É só dar um pulo nas escolinhas de futebol para ver que o manancial de craques pode não tem fim. Todos querem ser profissionais, querem ser estrelas da seleção. Fazer a pergunta “qual o seu ídolo?” é ver olhos brilhando por um bom tempo. A influência que os craques do futebol exercem sobre os jovens jogadores faz do sonho de ser o rei da bola um desejo mais que possível.

Inegavelmente, o dono da bola da vez é o ídolo santista Neymar. Aos 19 anos, o atacante é visto atualmente como um dos melhores jogadores no Brasil e tem seu nome disputado por clubes internacionais. Com muito futebol e um jeito descontraído, o garoto da Vila Belmiro tem uma legião de fãs nas escolinhas, como Lucas Adame Martins, 15 anos.

“Gosto do Neymar porque ele é humilde. Exemplo fora de campo também conta. Casos de doping, por exemplo, não tem nada a ver, isso faz diferença entre o jogador amador, afeta muito a personalidade dele. Se o cara for certo, faz bem para quem está começando e quer se espelhar”, afirma Lucas.

Na seleção de Lucas estão os mais variados craques de todos os tempos, mesmo que não sejam do time do coração, o Vasco. O jovem tem uma escalação bastante variada, mistura ídolos do passado, como Zico e Romário, a outros em atividade como o argentino Lionel Messi e o português Cristiano Ronaldo, fascinado pela habilidade que os consagrou.

O desejo de Pedro Eurico de Lemos Almeida, 12 anos, é ser tão bom de bola ou mais que Neymar. Mas, não é do craque do Santos que ele busca vídeos com os mais fenomenais dribles. É num gigante do futebol dos anos de 1950 e 1960 que ele se inspira. Mané Garrincha, a estrela botafoguense, povoa o imaginário futebolístico de Pedro Eurico, que comprova hoje, pela internet, o que as gerações passadas puderam ver ao vivo.

“Garrincha jogava demais. O pessoal sabia o que ele iria fazer e mesmo assim levava drible. Era muito habilidoso”, analisa.

Em busca de exemplos de vida positivos

Até a formação completa da personalidade, crianças e adolescentes buscam referências para seguirem. De acordo com a psicóloga clínica Fátima Dantas, do Espaço Universo Cognitivo, ídolos podem influenciar positiva ou negativamente, cabendo aos pais definir limites.

“Já tive um caso de um menino que queria ser jogador de futebol, mas não queria estudar porque dizia que iria ganhar muito dinheiro. A criança vai se modelar de acordo com aquilo que ela percebe. O jogador pode ser muito bom, mas se ele bebe, vive em noitada e no dia seguinte vai jogar, os fãs vão achar que é normal. Hoje, os clubes estão cuidando mais para que os jogadores transmitam o lado bom da prática esportiva”, afirma.

Estar em contato com os jogadores profissionais também estimula a admiração por parte das crianças. As escolas de futebol costumam levar os alunos a jogos e aos clubes, aumentando o convívio com os ídolos, sem falar que a geração atual é 100% conectada e sabe tudo que sai nos noticiários sobre os times.

Ricardo Calábria, supervisor da escola Estrelas do Futuro, do clube Botafogo, acredita que não adianta remar contra a maré, já que muitos pais fazem de tudo para que seus minicraques fiquem satisfeitos. No entanto, é preciso deixar bem claro quem é bom ou mau exemplo a se seguir.

“Hoje, os garotos de cinco anos veem tudo na televisão, imitam o corte de cabelo, a forma de se jogar no campo. Quando um ídolo não está bem na parte pessoal, as crianças nem falam do jogador. Aqui a gente diz para não seguirem maus exemplos, eles verão, no futuro, que não é válido. Quem tem boa conduta, como Loco Abreu, tem a camisa vendida aos montes no clube. Outro exemplo é o Zico, que continua sendo a camisa mais vendida mesmo sem jogar há 20 anos, isso pelo bom exemplo”, diz o ex-jogador, que nos tempos de divisões de base tinha como ídolo o centroavante gonçalense Roberto Miranda, o “Vendaval”.

E quem pensa que ser jogador profissional significa abandonar os estudos, Calábria lembra que a carreira é curta e, muitas vezes, o sonho termina antes de chegar às divisões de base dos clubes. Centenas de crianças realizam testes mensais nos grandes clubes do Rio, mas poucas são aprovadas, por isso uma segunda profissão é importante.

“Um bom exemplo é o nosso niteroiense Leonardo. Fala muitas línguas, nunca parou de estudar, hoje mora na Itália. Com certeza, os pais dele não deixaram de valorizar os estudos. Isso é muito importante porque você vê que alguns pais optam pelo filho ser jogador de futebol e deixam os estudos de lado. No futuro, com 18 ou 19 anos, se o clube não quiser mais ou se ele não servir para o futebol, o garoto fica sem ter para onde ir”, pondera.

Preferência internacional

Já para o trio Márcio Abrahão, Iago Freitas, ambos de 9 anos, e Lucas Brondi, 10 anos, os ídolos estão no futebol espanhol. O goleiro do Real Madrid, Iker Casillas, é o preferido de Márcio, que joga na mesma posição. Já Iago prefere o argentino Messi, do Barcelona, e diz, do alto dos seus nove anos, que é o jogador “mais habilidoso que já vi”.

Mas Cristiano Ronaldo não fica de fora da lista. É o jogador predileto de Lucas. Apesar de acompanhar a carreira do craque por todos os meios possíveis, a admiração é pelo jeito de jogar e só. Nada de cabeleiras extravagantes e adornos.

“Acho feio até. Gosto dele pela forma como joga, os dribles, mas nada de penteado, brincos”, diz convicto.

Em observação no Centro de Treinamento do Fluminense, em Xerém, distrito de Duque de Caxias, João Vitor Leandro Gomes, 9 anos, quer seguir os passos de Deco e do argentino Lanzini, craques do tricolor. Seu pai, Celso Gomes, avisa desde já que a coisa não é fácil.

“Futebol é uma profissão que tem que se dedicar. Tem que estudar, não tem que viver de farra. Atleta com noitada e drogas fica no meio do caminho”, sentencia.

Guilherme Pinto Dantas, 9 anos, também é fã do meia argentino, a quem define como um “cara legal”. Mas sabe que é preciso muito mais para chegar ao topo dos clubes.

“Tem que ter muito preparo físico e correr muito. Assim dá para ser profissional”, diz.

Meninas sem salto alto em campo

Única menina da sua turma no Núcleo Oficial do Vasco, no Fonseca, Danielle Duque, 12 anos, não se intimida com os garotos. Como pretende levar o hobby a sério daqui a algum tempo, a aluna mira muito bem o exemplo: Marta, jogadora do time americano Western New York Flash, eleita cinco vezes a melhor jogadora do mundo.

“Ela é muito boa, lutou para ter o que quis. O que eu mais gosto nela é que diziam que só garotos podiam jogar, mas ela quebrou preconceitos. Antes, eu tinha bastante medo de jogar com garotos, mas fui me acostumando. Eles também me aceitam normalmente, como se fosse parte dos meninos”, diz Danielle, que já se acostumou a levar trancos dos colegas.

Apesar de a Seleção Brasileira de Futebol Feminino ser uma das mais respeitadas – está atualmente em terceiro lugar no ranking da Federação Internacional de Futebol (Fifa), quatro posições acima do grupo masculino – e ter jogadoras prestigiadas como a própria Marta, Fabiana, Cristiane, Érika, poucos clubes se dedicam a criar um elenco feminino. Os únicos times fluminenses que participam da Copa do Brasil de Futebol Feminino, organizada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) são o Duque de Caxias e o Vasco. O Nordeste foi quem forneceu mais clubes para a competição, nove equipes, sendo uma de cada Estado.

No dia 18 de outubro, a Seleção Feminina estreia nos Jogos Pan-Americanos, em Guadalajara, no México, jogando contra a Argentina.

Fonte:  http://jornal.ofluminense.com.br/editorias/o-flu-revista/fas-do-bom-futebol