O transtorno de ansiedade social caracteriza-se pelo medo acentuado e persistente de situações sociais ou de desempenho, podendo influenciar a vida cotidiana dos portadores. Objetiva-se identificar, na literatura indexada, estudos empíricos com instrumentos de avaliação que abordem os prejuízos funcionais experimentados por pessoas com transtorno de ansiedade social no desempenho de atividades cotidianas e analisar as implicações de tais dificuldades. Procedeu-se a uma busca sistemática junto às bases de dados indexadas, identificando dez artigos, que foram agrupados em dois conjuntos: a) os relativos à proposição de instrumentos de avaliação e análise das qualidades psicométricas (n = 4); e b) os relativos ao impacto do transtorno de ansiedade social para a qualidade de vida e para as atividades cotidianas (n = 6). Os estudos psicométricos ressaltaram a pouca atenção dada a instrumentos validados para avaliar especificamente os prejuízos funcionais. Os trabalhos relativos ao impacto na qualidade de vida e nas atividades cotidianas constataram a presença de insatisfação com a vida e com a saúde em pacientes com transtorno de ansiedade social. A análise da literatura apontou para a importância da avaliação dos prejuízos funcionais do transtorno de ansiedade social no funcionamento cotidiano, por meio de medidas objetivas. Destaca-se a relevância de tais avaliações no planejamento e na intervenção de atividades voltadas ao transtorno de ansiedade social no contexto das práticas multidisciplinares de saúde mental.

O transtorno de ansiedade social (TAS), também conhecido como fobia social, é um dos transtornos de ansiedade mais comuns e tem sido considerado um grave problema de saúde pública, chamando a atenção pela alta prevalência, estimada entre 2,6 e 16%, dependendo do critério diagnóstico adotado. No entanto, tal condição clínica, por vezes, é sub-reconhecida e subdiagnosticada por estar freqüentemente acompanhada por comorbidades como depressão, distimia, abuso e dependência de álcool e drogas, ideação suicida, transtornos alimentares e outros tipos de transtornos de ansiedade1-7.

O TAS é caracterizado pelo medo acentuado e persistente de situações sociais ou de desempenho em tarefas frente às quais o indivíduo sente vergonha e temor de exposição, experimentando invariavelmente uma resposta imediata de ansiedade. Os principais medos relacionados à exposição são: a) parecer ridículo; b) dizer tolices; c) ser observado pelas outras pessoas; d) interagir com estranhos ou pessoas do sexo oposto; e) ser o centro das atenções; f) comer, beber ou escrever em público; g) falar ao telefone; e h) usar banheiros públicos. Quando tais situações não podem ser evitadas, são vivenciadas com grande ansiedade e, na maioria das vezes, acompanhadas por sinais e sintomas como: palpitações, tremores, sudorese, desconforto gastrointestinal, tensão muscular, rubor facial e confusão2,8.

Frente às situações percebidas como ameaçadoras, observa-se uma tendência à evitação de tais eventos, o que na vida cotidiana pode se caracterizar pela recusa em apresentar trabalhos ou seminários, escrever, comer e falar ao telefone na frente de colegas, realizar entrevistas ou conversas na escola, com professores, ou no trabalho, com chefes, iniciar uma relação afetiva, viajar com os amigos, participar de jogos e de atividades esportivas, entre outras. Considera-se, assim, que os prejuízos relacionados ao TAS incidem diretamente na vida cotidiana das pessoas, possivelmente prejudicando a sua qualidade de vida9.

Problemas como o distanciamento das relações pessoais, as dificuldades na participação em atividades profissionais, sociais, de lazer e de autocuidado, assim como as restrições de contatos e atividades, constituem-se em prejuízos funcionais que interferem nas ocupações diárias e na participação na vida cotidiana, com implicações para as condições de saúde do indivíduo.

A presença de prejuízos funcionais ou de incapacidades é comumente referida, nos estudos sobre o TAS, como uma forma de manifestação dos prejuízos associados ao transtorno. Alguns estudos5,10,11, ao referirem os prejuízos funcionais, o fazem caracterizando o impacto do transtorno nas atividades habituais do dia-a-dia.

A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), de maneira similar, apresenta incapacidade como um termo genérico para caracterizar deficiências, limitações de atividades e restrições de participação em diferentes domínios, englobando a interação entre o indivíduo e seus fatores contextuais12.

Para as pessoas com TAS, os prejuízos funcionais se configuram como um ponto central de suas dificuldades, sendo necessário o reconhecimento dos indicadores que os caracterizam, de modo a instrumentar o planejamento e a aplicação de práticas de saúde7,10,11.

Dado o impacto das dificuldades vivenciadas na vida cotidiana para os portadores do TAS, em geral pessoas jovens, em etapa de importantes aquisições escolares e profissionais, considera-se como relevantes intervenções de saúde mental que tenham a finalidade de minimizar tais prejuízos. Para tal, as escalas de avaliação, por fornecerem medidas aferidas e sistemáticas, têm uma relevante contribuição, por permitirem a comparação de grupos contrastante e das mesmas pessoas em momentos diversos, em pesquisas de intervenção.

Considera-se que a caracterização dos indicadores de prejuízos funcionais carece de maior precisão.

Frente a isso, objetivou-se identificar, na literatura indexada, estudos empíricos com instrumentos de avaliação que abordem os prejuízos funcionais experimentados por pessoas com TAS, na participação de atividades cotidianas, analisando-se as implicações de tais dificuldades.

Procedimento

Procedeu-se a uma busca sistemática junto às bases de dados indexadas MEDLINE, LILACS e SciELO, compreendendo o período de 1999 a 2007, complementada pela identificação de artigos presentes nas referências bibliográficas dos estudos selecionados.

Para tal, utilizou-se as seguintes palavras-chave: dificuldade cotidiana, prejuízo e funcionamento psicossocial, cruzadas com fobia social, ansiedade social e seus correspondentes em inglês: daily disabilityimpairment epsychosocial functioning.

Adotou-se como critérios de exclusão estudos relacionados a: a) avaliação dos aspectos clínicos do TAS; b) revisão da literatura; c) diagnóstico diferencial e comorbidades; d) tratamentos psiquiátricos e psicológicos do TAS.

Tomou-se como critérios de inclusão os estudos: a) escritos em idioma inglês, português, francês e espanhol; b) com amostras de adolescentes e adultos; c) envolvendo instrumentos de avaliação que abordam aspectos psicossociais associados ao TAS; e d) visando à avaliação do impacto do TAS na qualidade de vida e nos afazeres cotidianos.

Inicialmente, foram identificados 45 artigos e, após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram excluídos 35 artigos, por abordarem aspectos descritivos, epidemiológicos e clínicos relativos a sinais e sintomas de medo, ansiedade e do comportamento de esquiva frente às situações de interação ou de desempenho, ou ainda por tratarem de intervenções farmacológicas no TAS. Foram selecionados, assim, 10 artigos que serão objetos de análise.

Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-81082008000200007&lng=pt&nrm=iso